O tamanho inicial era de cinquenta e cinco milhões de metros cúbicos. A composição era cerca de 90% areia e os restantes se dividiam em resíduos de manganês, óxidos de ferro e argila. Ela estava segura, pelo menos aos olhos da grandiosa Samarco, estava segura. Uma imponente barragem, construída sob medida, era suficiente para hospedar um lamaçal, que não tinha pretensão de sair do vale. Os rejeitos estavam lá e a cada dia, cresciam um pouco mais. Sem estrutura para aguentar, as rachaduras fizeram dos funcionários do dique 1, as primeiras vítimas fatais. No linguajar dos trabalhadores da Samarco, dique 1 é o mesmo que barragem de Fundão.
- A barragem rompeu! – um funcionário passou a notícia pelo rádio.
- Você tá brincando, né? – respondeu Romeu, trabalhador terceirizado da Samarco.
A ligação do rádio falhou.
Romeu Geraldo Oliveira era um dos 3.517 trabalhadores terceirizados pela mineradora. Números contabilizados no ano de 2014. Por lei, os serviços permitidos para terceirizados são limitados às atividades-meio, ou seja, que não correspondem ao objetivo principal da empresa. Há 9 anos, Romeu trabalhava dentro da mina. Por mês, o encarregado de operações tirava 2.100 reais. Acordava às 5h em Paracatu de Baixo para estar às 7h45 no vestiário da empresa, onde deixava os pertences, no armário conjunto com o mecânico Sérgio*. Outro terceirizado.
O trabalho daquele dia 5 era movimentar uma peça de 70 toneladas. Romeu solicitou a máquina necessária e fez a manobra por 500 metros dentro da mina. Hora do almoço. Às 13h30, voltou a lidar com a peça, que ainda tinha um longo caminho a ser percorrido. 15h15 o rádio tocou. 15h16 o rádio estava mudo e Romeu apenas deu continuidade ao serviço, que se estendeu até o final do expediente, às 17h. No armário, os pertences de Sérgio* ainda estavam lá. Ele trabalhava como mecânico no dique 1 e não conseguiu escapar. Os objetos continuaram no mesmo armário por mais sete dias. Dos 14 funcionários mortos, 13 eram terceirizados.
Os 35 km que distanciavam a Samarco de Paracatu de Baixo fizeram Romeu acreditar que a lama não chegaria até sua família, mas as notícias que começavam a circular diziam o contrário.
- Peguei o carro e transformei um trajeto de 40 minutos em 20.
Iracema de Oliveira, esposa de Romeu, poderia ter tido tempo de recuperar alguns bens, se os 55 milhões de metros cúbicos iniciais não tivessem ultrapassado Santarém, uma barragem de captação de água, com limite de 7 milhões de metros cúbicos, também excedido. Do total, 34 milhões de metros cúbicos foram expelidos ao longo do vale. Impiedosa, a enxurrada dizimou Bento Rodrigues e seguiu o curso do rio Gualaxo do Norte, um subafluente do rio Doce.
*O nome da vítima fatal foi alterado a pedido dos entrevistados.